quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Poesia-provocação: a poesia Pau-Brasil

Alana Yasmim dos Santos

           Atualmente, o termo manifestação está presente cotidianamente na nossa vida. Desde 2013, no Brasil, diversas manifestações ocorreram nas ruas das cidades brasileiras, em sua maioria por motivações sócio-políticas. Manifestação se difere de manifesto, aquela é uma ação reivindicatória de um grupo de pessoas, ao passo que este é um texto de caráter persuasivo que visa declarar uma opinião, um pensamento, um ponto de vista. Mas ambas possuem uma mesma raiz: manifestar é tornar visível e público; manifestar é conquistar um espaço. Manifestar (intenções, desejos, pontos de vista) é algo que o ser humano faz a bastante tempo, é só recordarmos do Manifesto Comunista escrito em 1848 por Karl Marx e Friedrich Engels, do Manifesto Anarquista escrito em 1850 por Anselme Bellegarrigue ou do Manifesto Futurista, de 1909, escrito por Filippo Tommaso Marinetti.

            No Brasil, o Manifesto da poesia Pau-Brasil, escrito por Oswald de Andrade em 1924, é um reflexo de como os escritores, poetas e artistas brasileiros estavam insatisfeitos com as bases estéticas provenientes do povo europeu. Em oposição a poesia elitizada e rebuscada, Oswald escreve que a “poesia existe nos fatos”, ou seja, nos fatos vivenciados no dia a dia brasileiro. O cotidiano seria palco do fazer poético, e a poesia iria se revelar inovadora, popular e natural. No início do manifesto, Oswald traz o cenário-inspiração do Brasil: os casebres, as favelas, a vegetação, o carnaval, as diversas etnias, o minério, as comidas e as danças. “Pra me inspirar/ Abro a janela” escreveu Oswald de Andrade na poesia Balada da Esplanada. Ou seja, a poesia estava logo a frente, nos acontecimentos diários, nos objetos comuns, nos lugares conhecidos, nas pessoas ao redor: “Há poesia/ Na dor/ Na flor/ No beija-flor/ No elevador”. O espaço-diário era espaço-poético.

            Nos campos infestados pelo conhecimento importado e da esmiuçada arte europeia – o clássico, o alheio, o externo – em terra brasileira: precisaria persistir a poesia brasileira sob olhar europeu? Eis, então, a proposta de um fazer poético sobre o habitual, o cotidiano, o primitivo brasileiro. A poesia Pau-Brasil é, primeiramente, provocativa. Provocar o pensamento estético dos artistas [e estático no modus operandi europeu] do Brasil é o que queria Oswald manifestar em março de 1924. Era preciso escrever o Brasil sob o olhar original do começo do século XX, acompanhado do vocabulário e simplicidade do dia a dia. “Ver com olhos livres” disse Oswald como crítica à fórmula, aos métodos, às amarras estéticas. A poesia antiacademicista de Oswald de Andrade valorizaria a oralidade, os versos livres, as palavras do cotidiano e o abandono das pontuações. Ler uma poesia modernista é redescobrir a língua portuguesa. Oswald compara a poesia Pau-Brasil a uma criança, pela sua agilidade e candura, pela sua vivacidade. O poeta modernista, também, como uma criança, iria manusear as palavras sem medo, sem limitações, com a liberdade própria do ato criativo, com a curiosidade nata da infância. Entretanto, a poesia Pau-Brasil não era menos elaborada ou inferior aos engessados e rebuscados versos da poesia parnasiana, por exemplo, como muitos podem pensar pela simplicidade poética. A busca da poesia em palavras não-poéticas era uma forma de mostrar que era possível encontrar poesia em qualquer lugar, demonstrando que a linha que separava a poesia do cotidiano não era tão profunda assim.

            Poema-experimento, poema-cotidiano, poema-primitivo, poema-ironia, poema-surpresa: poesiaS. O plural é o que caracteriza o Brasil: retratoS do Brasil feitos com câmeras fotográficas produzidas no Brasil, revelados no Brasil, expostos no Brasil e exportados para o mundo. "Exporta-te, Brasil!" É o que Oswald manifestava. A poesia Pau-Brasil deveria ser exportada, assim como a madeira advinda do Pau-Brasil foi. Poesia-exportação.

[Morro da Favela - 1924 | Tarsila do Amaral]


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